RQD x IQR e origens do IQR

Hoje temos aqui no blog um artigo um pouco diferente do usual: a publicação de uma discussão de 2018, no extinto Fórum Geociências, sobre comparações entre RQD (Rock Quality Designation) e IQR (Índice de Qualidade da Rocha). Na minha opinião, essa discussão rendeu uma importante informação: qual foi a origem e quem foi o criador do IQR.

Clique aqui para ir direto ao post explicando as origens do IQR.

O tópico foi criado pelo geólogo Adinan Jarouche (um dos sócios aqui na JS). A discussão é razoavelmente longa, mas muito interessante, então recomendo a leitura! Existem citações a artigos e outras fontes de conhecimento sobre o tema.

Uma vez que o fórum era público e de acesso livre, e a discussão é puramente técnica, me sinto livre para publicar a discussão aqui com o crédito do nome do autor de cada post. De qualquer forma, obtive autorização de cada autor para publicação aqui no blog. Agradeço a todos pela participação na discussão e autorização!

Uma motivação para este artigo, é que até hoje não vi publicado em nenhum lugar a origem do IQR com os detalhes descritos aqui. A publicação da ABGE Diretrizes para Classificação de Sondagens – 1ª tentativa (2013), é a primeira publicação de alcance e exposição no meio que vejo distinguir claramente entre RQD e IQR, porém não explicava sua origem. Na publicação, também da ABGE, Investigações Geológico-Geotécnicas – Guia de Boas Práticas (2018), as origens do IQR estão restritas a uma nota de rodapé (Livro 6 –  Diretrizes Para Descrição de Sondagens, página 383). Lembrando que a publicação do guia da ABGE é de 2021, e a discussão abaixo é de 2018.


Tópico: Comparação IQR x RQD na Classificação Geomecânica

Post por Adinan Jarouche

O RQD é, talvez, o parâmetro mais utilizado (e com importante peso) nas diversas classificações geomecânicas mais comuns. Foi definido por Deere (1964) como a relação, em porcentagem, entre a somatória das peças do testemunho maiores ou iguais a 10cm e o comprimento total da manobra executada.

Entretanto, é pratica comum atualmente substituí-lo pelo Índice de Qualidade da Rocha (IQR), que tem cálculo semelhante, porém considera a somatória das peças do testemunho maiores ou iguais a 10cm em trechos de fraturamento homogêneo (trechos isofraturados).

Trata-se de uma diferença sutil porém, acredito, importante uma vez que a aplicação do RQD tende a homogeneizar grandes discrepâncias nessa característica quando estas ocorrem dentro de uma mesma manobra, o que reflete na classificação geomecânica final do maciço para cada trecho.

Pesquisando a respeito do assunto, encontrei alguns (poucos) trabalhos que indicam a classificação RMR feita a partir do índice RQD e do IQR, comparando os resultados obtidos. Em alguns casos a classificação final do maciço é consideravelmente diferente em alguns trechos, enquanto em outros casos a diferença é muito pequena.

Alguém tem mais dados a respeito ou conhece alguma publicação que faça uma comparação direta entre os dois parâmetros e as consequências de sua aplicação na classificação de maciço?

Post por Marcos Saito de Paula

Adinan,

como já conversamos sobre o assunto, eu até hoje não vi uma publicação que possa ser apontada como a que definiu o IQR como sendo algo diferente do RQD, ou se “IQR” é simplesmente uma tradução de “RQD”.

Interessante que a ISRM, nos seus Suggested Methods de 1978 (SM for Quantitative Description of Discontinuities in Rock Masses, página 364), indica que o RQD pode, dependendo do contexto, ser feito por trechos variáveis, ao invés dos trechos fixos (por manobra):

Ou seja, um IQR ou qualquer outra variação calculando RQD por trechos homogêneos não é nenhuma novidade.

Post por Mariane Borba de Lemos

Olá, tudo bem?

Parte do meu trabalho de formatura trata deste assunto.

Eu comparei o RQD medido por manobra de perfuração com o medido nos trechos de isofraturamento (que comumente é chamado de IQR), para rochas ígneas e gnáissicas, ambas do Complexo Embu.

Com os resultados que obtive percebi, como vc citou acima, que o RQD não identifica os trechos extremos (muito fraturados/pouco fraturados) e tende a medianizar os resultados. Ao longo do furo, a média dos dois é bem parecida, porém o RQD e o IQR apresentam distribuição bem distintas.

A média do RQD e IQR foram ainda mais parecidas nas rochas gnáissicas, por conta da foliação, que tornam as zonas de fraquezas equiespaçadas e constantes.

No meu trabalho de formatura, eu não cheguei a comparar o RQD e o IQR na classificação RMR. Mas comparei a influência do IQR obtido em testemunhos e em imagens de televisamento na classificação RMR. Apesar do IQR nas amostras e nos testemunhos serem totalmente discrepantes, a classificação de qualidade no RMR não foi tão afetada, em alguns casos a classificação não mudou. O IQR é apenas um dos fatores e não é tão preponderante no somatório final de qualidade quanto eu imaginava.
Acho que o mesmo vai acontecer com o RQD e o IQR.

Coloquei em anexo o trabalho que mandei pro CBGE que trata desse assunto.

Lemos et al. 2018

Post por Ivan José Delatim

Caros, essa discussão é bastante pertinente e acompanhada sempre da pergunta que não quer calar:

Qual devo utilizar na minha descrição?

Conforme vocês já comentaram, o RQD tem pai, nome e sobrenome. É um índice que tem suas peculiaridades para determina-lo, pois fora desenvolvido para rocha sã, com recuperação acima de 75% e diâmetro mínimo NW. O IQR é uma adaptação à prática brasileira do parâmetro RQD que, além de levar em conta essas peculiaridades estabelecidas por Deere (1964), é determinado para trecho com fraturamento homogêneo.

Acontece que no Brasil quem utiliza com frequência o RQD são as empresas executoras de sondagens, pois é mais prático (inclusive para lançar nos Logs) e não está errado, já que ele foi desenvolvido para ser determinado por manobras. As Projetistas preferem o IQR, pois responde melhor quando é necessário fazer a classificação de maciço e permite separar os horizontes de rocha de acordo com sua qualidade geomecânica.

Quanto a comparação, RQD x IQR, minha experiência me permite dizer que, quanto o maciço é bom, rocha sã a pouco alterada, pouco fraturada e recuperação acima de 80%, praticamente não haverá diferença expressiva, exceto se o grau de fraturamento (F3 e F4) penalizar algum trecho. Entretanto, se o maciço apresentar níveis de alteração diferentes, como é comum em algumas rochas metamórficas (p.e. migmatitos e até mesmos alguns gnaisses), aí a construção dessa interpretação ficará mais difícil e o RQD pode não ser o mais recomendado.

Mas o maior problema que temos hoje é na maneira como este parâmetro (RQD) vem sendo apresentado nos Perfis Individuais de Sondagens. Nota-se, com frequência, que não está sendo aplicado com o devido cuidado.

É comum encontrar RQD em trechos com baixa recuperação (20%, 30%, 40%). Basta encontrar um tarugo de 0,15 cm, numa manobra com esse nível de recuperação, que o profissional vai lá e calcula o RQD. Aí pergunto: O que isso contribui para definição da qualidade do maciço? Já respondo: NADA.

Conforme o Marcos lembrou muito bem, o próprio RQD lhe permite separar trechos ruins, então o que precisamos é ter critérios mais rígidos quando vamos determina-lo. Eu costumava fazer subtrecho dentro da manobra, separando aquele com alto grau de fraturamento (F4/F5).

O próprio IQR, requer muita prática para defini-lo, pois o foco não é mais a manobra propriamente dita, mas um trecho que envolve parâmetros de alterabilidade, coerência, grau de fraturamento, espaçamento das fraturas e litologia.

Assim, precisamos exigir das empresas executoras de investigação maior acurácia na apresentação dos resultados, que seja apresentado, realmente, para os trechos de rocha sã (A1) a pouco alterada (A2), com recuperação acima de 75%, em diâmetro NX ou NW. Fora desse contexto só com uma boa justificativa.

Tem um trabalho muito interessante que disponibilizo aqui para vocês: “Rock Quality Designation (RQD): time to rest in piece”, de 2017, de Pells e Bieniawski ,que discute sobre a vida útil do RQD, bem interessante, que podemos ainda discutir por aqui.

Pells et al. 2017

Post por Marcos Saito de Paula

Ivan,

muito boas colocações. Ainda vou ler o artigo com calma para discutirmos ele, não conhecia.

É comum encontrar RQD em trechos com baixa recuperação (20%, 30%, 40%). Basta encontrar um tarugo de 0,15 cm, numa manobra com esse nível de recuperação, que o profissional vai lá e calcula o RQD. Aí pergunto: O que isso contribui para definição da qualidade do maciço? Já respondo: NADA.

Aliado a isso, quando encontramos um boletim de sondagem com estas recuperações baixas, um RQD e ainda classificações como A2/A4 ou F1/F4 (ou seja, tem de tudo na mesma manobra), ai temos um trecho de sondagem que não conseguimos usar para nada, pois não sabemos o que tem naquela manobra, nem o que predomina…

Sai um pouco do tópico (RQD), mas é exatamente o que você falou, em momentos que o RQD poderia ser um norte, a presença dele (mal utilizado), só nos deixa com mais dúvidas. Ai voltamos sempre a questão de ser necessário nós mesmos verificarmos sempre os testemunhos.

Post por Giuliano de Mio

Sou amigo do Geólogo João Jerônimo Monticelli e ele me passou as seguintes informações sobre o RQD/IQR; preferi colocar a sua citação na íntegra, entre aspas, abaixo:

O Ivan Delatim soube muito bem se posicionar sobre o tema. Outros colegas também.

Tive a oportunidade de ser o pioneiro na proposição da metodologia de descrição do IQR, em vez do RQD no Brasil. Não me lembro bem, mas na época definimos a denominação IQR apenas como uma tradução ao português do RQD. As diferenças RQD-IQR vieram ao longo do tempo, para designar a adaptação/modificações que fizemos no RQR. Hoje está consagrado que RQD é o procedimento original, enquanto IQR é o procedimento alternativo, no Brasil que, com erros e acertos e, modéstia a parte, foi criado por mim, na década de 1970.

Isso se deu, ao redor de 1974, quando eu trabalhava pelo IPT, nas investigações geológico-geotécnicas para o estudo de viabilidade da Barragem de Porto Primavera.

O Geólogo Fernão Paes de Barros, da CESP, recém chegado de um curso de mestrado no Imperial College, Londres, apresentou e debateu comigo o RQD original. Na época, comentamos a importância da correlação do RQD com parâmetros mecânicos do maciço. Eu estudei o assunto e propus fazer a sua adaptação às condições do Brasil, considerando o seu cálculo por trecho de iso-fraturamento e descontando 10 cm no caso de fraturas sub verticais, situação não mencionada na metodologia original do RQD. Para isso, além de outras percepções, considerei um artigo que estudei, na época, e que consta em minha disssertação de mestrado: Lokin e Laban, 1978: A new method of estimating rock mass fissuring from standard borehole cores, IAEG, Madrid, 1978.

Recomendo a todos que trabalham na execução, descrição de sondagens e proposição de modelo geológico consultar Lokin e Laban e também a minha dissertação de mestrado (EESC-USP, 1984), de título “Influências da compartimentação geológica-geotécnica de maciços rochos no projeto de fundações de barragens – Fase de Viabilidade”, publicada e disponível em versão digital pela ABGE.

Em recente troca de e-mails com o João Jerônimo sobre a publicação deste artigo, ele me solicitou a inclusão do trecho abaixo, que complementa muito bem a discussão:

É necessário avaliar e adaptar metodologias do exterior às condições brasileiras. Foi isso que fizemos com a proposta do IQR. Outro exemplo muito conhecido é o Ensaio de Perda D’água,  que nasceu da adaptação do Ensaio Lugeon.

E nunca esquecer que os poderosos softwares de apresentação de resultados  necessitam de dados primários confiáveis. O livro recente da ABGE, Investigações Geológico-Geotécnicas – Guia de Boas Práticas, trata muito bem do assunto e indica bibliografias complementares, entre as quais as Diretrizes de Sondagens a Percussão, publicadas pelo Grupo AGS Brasil.

Post por Ivan José Delatim

Caro Giuliano e demais colegas,

Então essa adaptação brasileira – IQR, tem pai e endereço conhecido. Sabia que havia sido desenvolvida no IPT, sempre um celeiro de contribuições para nossa Geologia de Engenharia. Inclusive a questão de descontar os 10 cm dos trechos com fraturas subverticais já havia tentado descobrir sua origem e não sabia que estava tão perto. Obrigado João Jerônimo. Agora em meu curso de Classificação de Sondagem poderei dizer quem criou esse critério. Mas vou querer saber o porque, perguntarei ao João Jerônimo em breve.

Mas continuo batendo na tecla da qualidade na descrição das sondagens a na aplicação dos critérios, já tão consagrados e tão pouco aplicado da maneira correta.

FIM DO TÓPICO

NOTA DO BLOG: não encontrei no site da loja da ABGE a síntese da tese do Monticelli, nem a tese completa no banco de teses da USP. Também não encontrei o trabalho de Loki e Laban. No site da IAEG para os anais de congressos, não estão disponíveis anais de todos os congressos, e o 3º congresso, de Madrid, é um dos indisponíveis.


Espero que tenham gostado da leitura, da discussão e de conhecer um pouco mais sobre parte da história do desenvolvimento da geologia de engenharia em nosso país.

O assunto é vasto (indo desde detalhes como qual o artigo original de definição do RQD até aspectos práticos de sua correlação com outros parâmetros do maciço rochoso), e espero voltar a ele futuramente aqui no blog!