Quem é quem no mercado de geologia de engenharia?

Tive a ideia para este artigo lembrando de e-mails que troquei com o geólogo Kenzo Hori em janeiro de 2013, quando eu estava enviando currículos e procurando meu primeiro emprego. Eu estava literalmente atirando para todos os lados e não sabia muito bem o que queria. Em um dos e-mails o Kenzo escreveu: “A coisa do geólogo profissional funciona assim…” e discorreu brevemente, mas de forma muita certeira, sobre como os geólogos se dividem em suas áreas profissionais. Confesso que não entendi tudo na época, mas nunca esqueci o e-mail, e hoje ele faz todo sentido para mim.

Não vou entrar muito nos detalhes sobre O QUE o geólogo de engenharia faz, a ideia é apresentar um panorama sobre PARA QUEM o geólogo faz e QUEM CONTRATA. E o panorama do mercado que apresento aqui não pretende ser completo nem definitivo, mas acredito que é uma boa pincelada sobre o tema.

ONDE O GEÓLOGO TRABALHA?

Para os estudantes de graduação em geologia, ou mesmo recém formados e até pós graduandos que ainda não tiveram a chance de ingressar no mercado de trabalho, as dúvidas são muitas. A primeira, mesmo que muitas vezes não seja consciente, é “onde vou me meter?

O “onde” nesta frase é complexo e amplo, em termos geográficos e conceituais! Onde um geólogo trabalha?

“Ah, com mineração, ambiental, petróleo, engenharia…”

Ainda assim, onde? Que tipos de empresas contratam geólogos? Grandes multinacionais, institutos de pesquisa, órgãos públicos?

Neste artigo pretendo dar um pouco de perspectiva geral, uma visão ampla sobre o mercado de trabalho do geólogo na área de geologia de engenharia.

“MAS VOCÊ É GEÓLOGO, POR QUE FALAR SÓ DE ENGENHARIA?”

Foto – Metrô SP – http://www.metro.sp.gov.br/obras/linha-4-amarela/galeria-fotos/2021.aspx

Comecemos pelo começo: dentro das áreas da chamada geologia aplicada (engenharia, mineração, petróleo, ambiental, hidrogeologia), dificilmente se atua em mais de uma área, e mais raro ainda é trocar de uma área para outra. Quem trabalha com mineração, faz coisas completamente diferentes de quem trabalha com petróleo. Quem trabalha com petróleo, tem rotinas e vive em um meio profissional totalmente diferente de quem trabalha com engenharia, e por aí vai.

Tudo isso para dizer que vou falar da geologia de engenharia porque é onde atuo há 9 anos, e é a área que conheço. Este mercado, como o nome já indica, é dominado pelos engenheiros, de diversos tipos e formações. Nós geólogos somos parte deste mercado e meio técnico.

Não me arrisquei a incluir “geologia ambiental” no título do artigo porque sei que, mesmo tendo interface com a engenharia, a ambiental se ramifica em vários outros tipos de serviço, com outras atividades e motivações.

QUEM É QUEM NA GEOLOGIA DE ENGENHARIA

Antes de mais nada, neste artigo, sempre que uso o termo ENGENHARIA, estou falando de ENGENHARIA CIVIL, pois existem outras, como petróleo, minas, naval, elétrica etc.

E quando uso o termo EMPREENDIMENTOS DE INFRAESTRUTURA, estou me referindo a qualquer estudo, projeto e obra de uma estrutura que visa melhorar ou viabilizar algum outro bem ou serviço. Por exemplo rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, barragens, linhas de transmissão etc. Ou seja, um empreendimento de infraestrutura não é um fim em si mesmo. Uma rodovia não existe sem a demanda de que pessoas e produtos precisem ir de uma cidade para outra. Uma barragem não existe sem a necessidade de energia para abastecer moradias e indústrias etc, etc.

O geólogo atua junto à engenharia para empreendimentos de infraestrutura fornecendo o conhecimento dos solos e rochas do local que podem impactar aquele empreendimento, tanto de forma positiva (por exemplo como material de construção), como de forma negativa (por exemplo se houver existência de solos moles, argilas orgânicas que dificultam qualquer obra de terraplenagem).

O mercado para o geólogo de geologia de engenharia pode ser dividido em 5 tipos de empresas/contratantes/clientes:

  1. Empreendedores
  2. Projetistas
  3. Executoras de sondagens e serviços de campo
  4. Laboratórios
  5. Construtoras/Empreiteiras

EMPREENDEDORES

Foto – ARTESP – http://www.artesp.sp.gov.br/

Por empreendedor entende-se qualquer empresa, pública ou privada, que queira construir uma nova infraestrutura, ou melhorar uma existente. Por estarmos falando de infraestrutura, o porte destes empreendimentos é em geral grande, com custos totais na casa das centenas de milhões até bilhões de reais. Ou seja, em geral o empreendedor é um governo (em qualquer esfera, federal, estadual ou municipal), concessionária ou uma grande empresa ou consórcio de grandes empresas.

Os empreendedores de infraestrutura representam o topo da pirâmide neste mercado, e eles são a principal força motriz para que o mercado de geologia de engenharia (entre outros) se mantenha em movimento. Um empreendedor de infraestrutura contrata todos os outros tipos de empresas listadas nas outras categorias deste artigo.

Farei uma breve descrição sobre o funcionamento e os interesses de cada tipo de empreendedor, e depois a função do geólogo neste tipo de empresa.

Órgãos Públicos

Órgãos públicos para viabilização de empreendimentos de infraestrutura variam amplamente em tamanho e função. Vão desde prefeituras e secretarias municipais ou estaduais, passando por empresas constituídas especificamente para viabilizar empreendimentos de um tipo determinado (como a DERSA no estado de São Paulo, constituída para executar rodovias de grande porte), órgãos de modais específicos como rodovias (DERs estaduais), trem (CPTM em SP), metrô, portos, linhas de transmissão, aeroportos, entre outros, até agências reguladoras, como ANTT e ARTESP e órgãos de múltiplas funções, como o DNIT.

Uma mudança de mercado que vem ocorrendo ao longo dos anos no Brasil é a exploração de um empreendimento por concessionárias, categoria seguinte da nossa lista.

Concessionárias

Concessionárias no Brasil são empresas privadas constituídas para gerenciar, administrar e explorar financeiramente um bem público. Uma concessionária deve zelar pelo funcionamento e boa qualidade de um determinado bem público, e muitas vezes deve conduzir a execução de novos empreendimentos. No caso do mercado da engenharia de infraestrutura, o modelo de concessão se aplica a praticamente qualquer modal de transporte e tipo de infraestrutura.

O modelo de concessão tem se expandido no Brasil nos últimos anos, e portanto o que antes era contratado por órgãos públicos e governamentais, agora é contratado por concessionárias.

Grandes Empresas e Consórcios

Empreendimentos de infraestrutura com origem em empresas privadas podem ser, por exemplo: uma grande mineradora construindo uma ferrovia para transportar minério de uma nova mina para um porto existente, ou uma empresa de petróleo construindo uma linha de dutos de gás.

Na prática não há diferença entre o trabalho técnico executado para viabilizar um projeto de infraestrutura empreendido por um governo, concessionária ou grande empresa.

A diferença está no interesse, que neste caso é privado, e no fato de que o dono do empreendimento estará presente em todos os ciclos do projeto, desde a concepção inicial e construção, até a operação (uso) e desativamento do empreendimento. Mesmo quando um governo é o empreendedor de uma infraestrutura, é comum que um órgão do governo faça o projeto, e outro órgão administre a operação, ou ainda uma concessionária.

E o geólogo trabalhando em um empreendedor de infraestrutura?

Geólogos em órgão governamentais, concessionárias ou grandes empresas que constroem obras de infraestrutura podem desempenhar diversos papéis:

  • Avaliação preliminar de uma situação ou problema para determinação de que tipo de projeto ou empreendimento deve ser contratado como solução. Por exemplo um talude de rodovia ou ferrovia, ou uma encosta em área de risco em área urbana.
  • Elaboração de projeto (ver categoria de PROJETISTAS abaixo para descrição em mais detalhe do trabalho do geólogo neste caso).
  • Análise de projeto (neste caso elaborado por uma projetista contratada).
  • Acompanhamento da elaboração do projeto e acompanhamento da obra.

Em qualquer um destes casos, a intercalação entre trabalhos de campo e escritório é grande.

Obviamente que existe uma infinidade de empreendedores de menor porte (e que não são pequenos, simplesmente não são gigantescos como os citados), mas mantive o foco aqui em grandes empreendimentos pois são eles que mobilizam a maior parte do mercado, e por muitos anos seguidos. Uma linha de metrô na cidade de São Paulo por exemplo envolve diversas empresas projetistas, executoras de sondagens e ensaios e mesmo várias construtoras.

PROJETISTAS

As empresas projetistas elaboram… projetos de engenharia! Nestas empresas o geólogo interage com diversas disciplinas ou áreas de engenharia civil, como topografia, geometria, drenagem/hidrologia, terraplenagem, pavimentação, e a mais próxima de todas é a geotecnia. Esta interação se deve à natureza iterativa e interativa de um projeto de infraestrutura. Profissionais com diversos tipos de conhecimento devem se comunicar (interagir), e as decisões e problemas de uma área interferem na outra, gerando revisões e melhorias (iterações), no projeto.

Por exemplo: um traçado de rodovia pode ter a necessidade de ser deslocado de uma área onde a desapropriação é complexa, porém isso resulta em um problema de drenagem da via. Para se resolver o problema de drenagem da via, a cota da rodovia pode ser modificada, mas isso pode implicar em colocar mais peso (um aterro mais alto) em um local de solo ruim. Neste ponto o problema passa a envolver a geologia e a geotecnia. Até que se pesem todos os prós e contras (e gastos) para a solução do problema de cada área do conhecimento, diversas alternativas e estudos são feitos, em um processo longo e trabalhoso.

O trabalho do geólogo em projetistas envolve:

  • Trabalhos de campo no início de um projeto, para reconhecimento inicial da área, identificação da geomorfologia e geologia local, identificação de áreas para empréstimos de materiais de construção (solo, areia, rocha).
  • Trabalhos de campo durante a elaboração do projeto, para mapeamentos em geral, elucidar dúvidas específicas de pontos críticos do projeto, acompanhamento de topografia, sondagens e diversos tipos de investigações geológico-geotécnicas de campo. Em geral estes trabalhos são recorrentes e frequentes ao longo do desenvolvimento de um projeto.
  • Tanto no início como ao longo da elaboração de um projeto, o geólogo tem bastante trabalho no escritório: inicialmente pesquisando mapas geológicos e literatura geológico-geotécnica sobre a área, elaborando programações de sondagens e investigações e estudando os tipos de obra do empreendimento. Ao longo do desenvolvimento do projeto, se somam nesta rotina o recebimento dos dados de campo e laboratório, para elaboração de relatórios, mapas e perfis geológico-geotécnicos.
  • Em alguns contratos, a empresa projetista pode ser responsável também pelo ATO: Acompanhamento/Atendimento Técnico de Obra. Este trabalho ocorre já durante a construção do empreendimento, e o trabalho do geólogo é essencial nessa fase, pois podem ocorrer imprevistos ou diferenças em relação ao que foi previsto em projeto, e pode ser necessário realizar adequações e ajustes.
  • Além dos trabalhos de campo citados, alguns projetos em particular podem necessitar de avaliação de áreas de risco geológico dos mais variados. O risco pode existir para o empreendimento, para as pessoas e moradores próximos, futuros usuários do empreendimento e até mesmo empreendimentos futuros.

No caso de grandes empreendimentos, as projetistas não se restringem somente a parte civil. Um túnel rodoviário por exemplo necessita de projetos de elétrica, ventilação, segurança contra incêndio e comunicação. Projetos nos quais um geólogo não tem nenhum papel.

Porém este mesmo túnel irá ser escavado em solo e rocha, e neste ponto é nosso território e atuamos de forma intensa, desde os primeiros conceitos até a finalização da escavação.

As empresas projetistas em geral são contratadas por órgãos públicos, concessionárias ou construtoras (e até mesmo por outras projetistas maiores), e em geral são contratantes de executoras de sondagens e serviços de campo, laboratório, e projetistas menores e mais especializadas.

EXECUTORAS DE SONDAGENS E SERVIÇOS DE CAMPO

Nesta categoria estão empresas de sondagens a percussão, mista, rotativa, trado, entre outros tipos de investigações geológico-geotécnicas, ensaios in situ, geofísica e topografia.

Nestas empresas alguns geólogos permanecem sempre em campo, acompanhando sondagens e investigações. Outros geólogos podem alternar os trabalhos de campo com escritório, para descrição de amostras de solo e rocha, e elaboração dos perfis definitivos de sondagem. São comuns também geólogos já em posição de chefia e gerência, para administrar e coordenar as equipes em campo.

Qualquer que seja a função, o geólogo em empresas deste tipo deve ter profundo conhecimento sobre as normas envolvidas, os procedimentos e boas práticas de campo e ter bom treinamento em descrição de amostras de solo e rocha, pois estes são os dados básicos nos projetos de empreendimentos de infraestrutura.

Executoras de sondagem podem ser contratadas por todas as outras empresas listadas neste artigo.

LABORATÓRIOS

Imagem – NGI – https://www.ngi.no/eng/Services/Technical-expertise/Rock-mechanics-laboratory/Triaxial-setup-inside-CT-scanner

Laboratórios poderiam ter sido incluídos na categoria anterior, mesmo porque muitas empresas prestam serviços de investigações de campo e laboratório, mas preferi separar porque entendo que os conceitos envolvidos são diferentes.

Os ensaios de laboratório dependem obviamente da coleta de amostras em campo, mas uma vez que uma amostra chega ao laboratório, os tempos de ensaio e conceitos envolvidos não dependem mais de nenhum fator externo.

O conhecimento técnico necessário para realização e interpretação de cada ensaio pode variar em um espectro extremamente amplo, e por este motivo, muitos geólogos e engenheiros acabam por se especializar em serviços de laboratório, chegando muitas vezes ao grau da especialização em métodos, técnicas e ensaios específicos. Além disso, novas tecnologias modificam a forma como se realiza um ensaio, ou até mesmo o que é possível de se medir ou executar.

Assim como as executoras de investigações e serviços de campo, laboratórios podem ser contratados por todas as outras categorias desta lista.

CONSTRUTORAS E EMPREITEIRAS

Empresas construtoras representam a parte final na concepção de um empreendimento de engenharia, são elas que colocam o projeto (até então informações num papel/computador) no mundo real. Notem que não escrevi “parte final de um empreendimento”, porque depois de construído, começa a operação, o uso em si do empreendimento, que pode durar décadas, e pode ser administrado por uma concessionária ou órgão público.

O geólogo em uma construtora, em geral, permanece sempre no local da obra, para verificar, acompanhar e validar o andamento de obras de escavações, terraplenagem e possíveis áreas de risco afetadas, podendo também ter participação em questões ambientais.

Isso não quer dizer que o geólogo em uma construtora não faz trabalho de escritório. O ponto é que em geral o escritório é montado no canteiro de obra, e portanto o geólogo fica morando no local da obra.

Análise de projeto e interação com diversas outras empresas envolvidas também podem fazer parte do dia a dia do geólogo em uma construtora. Estas outras empresas podem envolver: a projetista do empreendimento, o cliente final (como um órgão público ou concessionária), supervisão, gerenciamento, área ambiental e segurança do trabalho.

Alguns geólogos podem trabalhar por anos num mesmo local, como a frente de escavação de um túnel, ou ter uma rotina de visitar diferentes locais todos os dias, como uma rodovia ou ferrovia.

FINALIZANDO

Eu poderia incluir nesta lista outras categorias, como empresas de consultoria, institutos de pesquisa (como o IPT, Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo), Defesa Civil, entre outros. Mas acredito que a divisão apresentada é bem prática, e o trabalho do geólogo em outras empresas ou instituições acaba se classificando dentro de uma das categorias já listadas.

Este artigo não visa esgotar o tema: o mercado muda sempre e muda rápido. Então daqui 5 anos a dinâmica pode ser diferente.

Além disso, a ideia é que mesmo geólogos que já trabalhem na área possam ter uma noção melhor do que seus contratantes ou clientes tem como atividades. Isso facilita a comunicação e resolução de problemas. Ainda assim, estou totalmente aberto a sugestões e críticas para melhorar e atualizar o artigo!

Aos mais novos, espero que o texto sirva como um esboço de mapa, do caminho que eles podem trilhar profissionalmente, e um guia de onde se encaixa o trabalho que vão desempenhar.

Não importa se você está classificando saquinhos de amostra de solo de uma sondagem a percussão, desenhando um perfil geológico em uma projetista, analisando o projeto em uma concessionária, ou supervisionando uma escavação de corte em uma construtora: todos devem fazer sua parte com o maior rigor técnico e a melhor dedicação, pois todos contribuem igualmente para um empreendimento bem executado.